Gaúchos, existem?
Entender a identidade gaúcha é do meu interesse há mais de 30 anos, quando criei e dirigi o programa Galpão Crioulo, com a equipe da RBSTV. A ideia inicial era propagar a cultura do Rio Grande, mantê-la viva e atualizada, como toda ação em movimento. Não era cristalizá-la no passado, como aconteceu. Quando instrumentos elétricos como guitarra ou mesmo um piano participaram do programa houve protestos de tradicionalistas que diziam que aquilo não pertencia ao universo cultural gaúcho. Houve debates sobre o que era verdadeiramente gaúcho. Lembrei que a gaita, a bombacha, o violão, entre tantas coisas, não são originários daqui. Mas essa “pureza” dos costumes continuava aparecendo. Sempre questionei se esse “gaúcho” não é algo idealizado, aqui dentro e lá fora. Há poucos dias, conversando sobre o que somos, muitas vezes rotulados de encrenqueiros, fechados na própria panela, em constante clima de Gre-Nal, com dificuldades em nos modernizarmos, o sempre atento professor Nelson Boeira me deu um texto de Sérgio da Costa Franco, publicado pela UFRGS em 1992, na coletânea “Nós, os gaúchos”, organizada por Luiz Augusto Fischer e Sergius Gonzaga. Franco afirma que “são apressados aqueles que dizem que os gaúchos são assim ou assado, tentando definir características psicossociais de grandes grupos humanos, heterogêneos na sua formação racial, cultural e sócio-econômica. Se até mesmo populações homogêneas e de prolongado convívio no mesmo território dificilmente assumem uma identidade psicológica reconhecível, que dirá um povo formado à base de etnias diferenciadas, com discrepâncias regionais evidentes, no tocante à estrutura social, à linguagem, à religião e aos costumes?!” Ele diz que há muito pouco em comum entre um “alemão” de Lomba Grande, um “gringo” de Nova Pompéia, um criador de Soledade e um pescador de Rio Grande, para todos receberem o rótulo de “gaúchos”. Só o local de nascimento é que permite chamar um povo com tantas diferenças de “gaúchos”. Não há uma identidade culturalmente definida. Franco lembra que no nordeste do Brasil também existe isso, quando chamamos de “nordestinos” gente tão diferente, como um baiano e um pernambucano. Mais adiante ele joga luz sobre o que poderia ser a origem da fama de radicais, intransigentes e irredutíveis: as disputas inter-regionais e a tentativa de separatismo da época da Monarquia. “O gaúcho esquematizado pelo discurso da auto-exaltação regionalista simplesmente não existe”, encerra Costa Franco. Nossas imensas diferenças internas podem ser a razão de muita coisa. Identidade, conflitos e a permanente evasão dos gaúchos são temas que merecem ser muito mais estudados.
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