Transgredir para sobreviver
O comportamento das abelhas serve de inspiração para muito do que fazemos. Há poucos dias, o amigo dinamarquês Jesper Rhode chamou a minha atenção para mais um ritual destes insetos voadores, que pode ajudar muitas empresas a sobreviverem em tempos de mudanças aceleradas como as que vivemos. Diariamente, a maioria delas parte na direção de campos floridos já conhecidos para buscar o sustento da colmeia. Estudos mostram que em torno de 20% das abelhas saem aleatoriamente, sem respeitar regras, para rumos desconhecidos, tentando achar novos campos com flores.
A combinação de ir aos lugares conhecidos com as que saem para qualquer lugar faz com que elas sobrevivam. Mantêm o que já conhecem e também descobrem novos espaços. Caso ficassem apenas nos campos conhecidos e estes fossem invadidos por muitas vacas, pisoteando tudo e acabando com as flores, elas ficariam sem alimento. Quando retornam à colmeia, fazem uma espécie de dança, vibrando sua bunda. Dependendo da intensidade e da duração das vibrações, sinalizam se encontraram novos campos, qual o tamanho e a direção deles.
Nada mais atual e necessário para os dias de hoje. Nós também funcionamos assim. Temos alguns neurônios com funções específicas e previsíveis. Outros são rebeldes e não funcionam com regras. Nosso sistema neural tem funções mais analíticas e outras mais operacionais. Nas nossas vidas precisamos cuidar do individual e do coletivo – o eu, o nós e o ecossistema onde vivemos. Nas empresas é fundamental que tenham uma parte estruturada e outra não. Que sejam empresas ambidestras: junto com as competências necessárias para tocar a rotina, precisam ser capazes de ter um lado explorador, anárquico, inovador.
No livro “O Dilema da Inovação”, Clayton Christensen – que usou pela primeira vez a palavra “disrupção” – descobriu que algumas empresas que regulavam muito seus processos e a tecnologia que usavam, quando a tecnologia mudou, quebraram. Um exemplo foram os fabricantes de disquetes de computador. Os primeiros disquetes – floppy discs – eram grandes, feitos para os mainframes, do tamanho de uma casa. Vendiam para poucos clientes. Ficaram menores, para minicomputadores, do tamanho de uma geladeira e eram vendidos para mais gente. Quando chegaram os microcomputadores, os disquetes ficaram bem menores e eram vendidos para milhões de pessoas.
As empresas que acharam que era o mesmo produto, só que em tamanho menor, quebraram. Não se deram conta que era outro mercado. De poucas grandes empresas, para milhões de pessoas físicas. O mesmo aconteceu quando a poderosa British Airways quis competir com as low cost, como Ryanair e Easy Jet. Não entendeu que, mesmo sendo empresas aéreas, o cliente e os negócios eram muito diferentes do que eles conheciam. Mapear o comportamento e a jornada do cliente é imprescindível.
Muitas vezes não seguir as regras, não ir para onde vai a manada, garante a sobrevivência, mesmo que a maioria das pessoas sinta-se protegida fazendo parte do grande grupo. Nem todos devem seguir o negócio atual. Alguns devem seguir por outros rumos, adaptando-se às mudanças do ambiente. Para estimular, o Google, há uns oito anos, estabeleceu que cada funcionário poderia investir 20% do seu tempo de trabalho em projetos pessoais.
A sueca iZettle, primeira empresa do mundo a fazer pagamentos móveis, a cada dois meses todos eram estimulados a hackear a empresa. As melhores ideias eram implantadas. O desafio está em encontrar o equilíbrio entre a capacidade de usar conhecimentos para gerenciar com eficiência sua atividade atual e ter a flexibilidade necessária para adaptar os negócios às oportunidades que o mercado oferece. É bom que cada empresa encontre a sua maneira de inovar.
Laboratórios de inovação com pessoas isoladas e de perfis parecidos, muitas vezes não dão certo. É recomendável mesclar profissionais inovadores com perfis de exploradores do futuro, que querem testar suas ideias, para quem errar faz parte da busca e não é um problema, com aqueles que atuam no presente e buscam melhorias, no sentido de oferecer segurança, evitar erros, qualificar as entregas e garantir mais eficiência. É preciso criar um ambiente de tranquilidade psicológica, onde todos possam dar o melhor de si, com liberdade para tentar, para errar, para não cumprir as regras estabelecidas, questionar. Se alguém divergir e for punido, ninguém inova. E a empresa sucumbe.
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